450 dias depois…
Miguel Borges fez um novo recorde pessoal com um registo interessante no contexto nacional e promissor para aquilo que prevemos no futuro. Foram 10.000m corridos para 29:34.56, precisamente 450 dias depois da sua prova anterior!
Num momento em que preparávamos de forma cuidada a época desportiva de 2019/20 e em que esperávamos resultados condizentes com o que estava a acontecer diariamente no processo de treino, a pandemia que se iniciou em Março, veio retirar ao Miguel todas as esperanças de uma época que se preparava como nunca. E foi assim que passaram 450 dias entre duas competições, cuja motivação ficou exclusivamente do lado do processo de treino.
Perante uma distância temporal tão grande, perguntámos a Miguel Borges, como foi passar tanto tempo sem vislumbrar qualquer oportunidade competitiva. “Confesso que competia muito, mas quase sempre sem um rumo. Queria competir para mostrar o valor que tinha e para provar que podia evoluir de modo a confirmar o meu valor desportivo. Mas não tinha ainda percebido que o nosso valor tem de se mostrar primeiro no local de treino, dia a dia, e junto das pessoas com quem trabalhamos. As tarefas mais importantes são completamente invisíveis, duram muito tempo e são uma luta diária connosco e com quem nos apoia”. Perguntámos se nessa perspectiva podemos considerar que as restrições foram positivas, mas é peremptório ao referir que “não foi positivo. Mas os momentos difíceis nas nossas vidas são sempre oportunidades de aprendizagem. Neste caso tenho aprendido imenso com o que passei. Damos mais valor ao que fazemos, passamos a perceber que não podemos desperdiçar oportunidades e que temos de nos comprometer muito mais com todas as tarefas que nos propõem. Mais do que nunca, entendo o que o meu treinador me pede e percebo que quase nunca somos os melhores a interpretar o que fazemos. Precisamos de alguém mais distante, com mais conhecimento, que nos conheça muito bem, com muita vontade de nos ajudar e que nos leve a construir um percurso de excelência”.
Para Paulo Colaço, treinador de Miguel Borges, “este resultado só nos mostra que existe potencial elevado de crescimento. Existe muito por onde melhorar e este passo foi muito tímido. O Miguel está capaz de melhor, mas precisa de tempo para ganhar a sua auto-confiança para outros ritmos de competição”. Perguntámos então, como se consegue motivar um atleta durante 450 dias sem competir. Refere que “é muito importante que o atleta se sinta bem com o processo. Que entenda os caminhos que estamos a seguir, o que fazemos e porquê em cada fase do treino e que lhe possamos mostrar as evoluções nos treinos antes de pensar nas provas. Se os motivarmos a treinar como nunca o fizeram antes, começam a acreditar que estão a fazer coisas extraordinárias mesmo que não as tenham ainda mostrado para fora do local de treino”.
Perguntámos também a Miguel Borges, que desenvolveu o seu percurso desportivo nos 3.000m obstáculos como se consegue passar para uma competição que mais do que triplica a sua distância. Confessa que “me custou muito acreditar que podia ser um bom atleta de distâncias mais longas. Não tive capacidade para o ver mais cedo, apesar do meu treinador insistir durante muito tempo nesta tecla. Agora, sinto que o meu futuro estará centrado nas distâncias mais longas e não por distâncias até aos 3.000m. Custou-me a perceber isso, porque os resultados que tive em 3.000m obstáculos não me deixaram sequer ver e acreditar que não estava na distância onde poderia exprimir mais o meu potencial”.
Esta prova de 10.000m foi feita nos Campeonatos Nacionais de 10.000m. Uma prova feita sem uma preparação mais específica e com problemas que surgiram dias antes porque não se conhecia a possibilidade desta prova acontecer. Paulo Colaço, refere-nos que “existem imensos factores que prejudicam este resultado entre os quais o facto de sabermos desta prova 11 dias antes, quando desenvolvemos um ciclo nas duas semanas antecedentes que nunca poderíamos fazer se soubéssemos da existência desta prova. Mas o que fica é o resultados final, que a nós nos dá indicadores preciosos para o futuro”.