Sacrifício ou prazer no desporto de rendimento?
A facilidade com que se fala nos dias de hoje sobre qualquer assunto para milhares de pessoas através das redes sociais, leva a uma proliferação de opiniões muito pouco suportadas em conhecimento efectivo. A área do treino desportivo é uma área muito apetecível para aumentos de likes e partilhas, pelo interesse crescente que o desporto assume nos dias de hoje. Por outro lado, gera sempre mais partilhas criar conteúdos na base do medo e do risco associado à prática desportiva, do que falar do risco brutal associado ao sedentarismo ou à obesidade. Talvez por isso, multiplicam-se duas ideias que são frequentemente abordadas de forma leviana e até especulativa: (i) que o desporto de alta competição é algo tremendamente difícil associado a sacrifícios enormes por parte dos atletas e que (ii) o desporto de competição é lesivo e indutor de problemas de saúde, levando muitos a colocarem os limites teoricamente saudáveis em níveis de atividade francamente baixos.
Não vamos explorar o segundo ponto, mas pretendemos com este texto, levantar algumas questões e desmistificar algumas ideias que consideramos erradas e esperar, que no meio de toda esta “selva” de informações, consigamos fazer chegar este texto a algumas pessoas que possam receber um contraponto em relação a estas ideias e que não nos deixemos cair na tentação fácil, de tomarmos por verdade, tudo o que nos aparece no mundo digital.
Não aceitamos a ideia de que a prática desportiva de competição seja um sacrifício na vida de um praticante. Sim, existem sacrifícios que se têm de fazer aqui e ali ao longo do percurso, mas achamos que escolher ser atleta de alto rendimento é optar por um estilo de vida atractivo, repleto de momentos de aprendizagem constante e de valorização pessoal. É contudo verdade que em todas as actividades profissionais, existem exageros e práticas desreguladas e que o sacrifício pode existir em praticamente todas as actividades profissionais (o desporto não será excepção). É importante percebermos do que falamos, quando nos referimos a alto rendimento. Falar de atletas de alto rendimento é falar de atletas que foram formados ao longo da vida, num processo de descoberta pessoal, em que o treino, os ensina a ter prazer num corpo treinado e numa mente que recebe diariamente os efeitos positivos das adaptações às cargas de treino. Não aceitamos por isso que a prática desportiva de rendimento seja visto como algo tão sacrificante em especial quando pensamos na exigência de outras actividades profissionais. Ouvimos depois quem refira, que os praticantes de alto rendimento não podem sair à noite, não podem beber uns copos, our até comer doces como uma pessoa normal ou que se tenham de se deitar sempre cedo. Na verdade, só podemos assumir isto como um sacrifício, quando nunca passámos na vida, pelos efeitos positivos de um estilo de vida saudável. O desportista de alto rendimento, ganha acima de tudo a oportunidade de aprender com o desporto, a adoptar um estilo de vida saudável e acima de tudo a sentir prazer nas suas opções e a não sentir atractividade em maus hábitos ironicamente associados a uma vida sem sacrifícios… Na essência, ser atleta de alto rendimento é viver melhor, com mais qualidade de vida e mais saúde, conseguida depois de interiorizar um conjunto de cuidados, que darão prazer manter ao longo da vida, sem qualquer sacrifício. Se sugerir a alguns atletas com quem trabalhamos para passarem umas noites agitadas e regadas com álcool, a resposta que teremos é que não teriam qualquer gosto em o fazerem e que nem em período de férias se sentem atraídos por estas “atractividades”. No nosso caso, quando falamos com jovens sobre prática desportiva de rendimento, mostramos a enorme atractividade que pode ter uma vida dedicada ao desporto e referimos muitas vezes, que no desporto, podem ter das vidas mais atrativas que se pode conseguir, obviamente, como em todas as actividades, com mecanismos de avaliação e regulação, nomeadamente de cargas de treino, capazes de evitarem impactos negativos. Quando um jovem aprende com o desporto, como se alimentar corretamente, como promover um bom descanso ou cuidar do corpo e da mente, é como dar a esse jovem o mais importante “seguro de saúde” que pode ter, e ensiná-lo a ter prazeres que, uma boa noite de farra, nunca lhe proporcionará. E isto não impede, que não possa ter os seus devaneios aqui ou ali…
É também nesta medida, que o desporto de rendimento, aumenta a sua importância junto dos jovens, permitindo-lhes desenvolver uma atividade de forte compromisso consigo próprios, com a sua saúde e construir-lhes uma memória, sobre o que é sentir-se saudável, para os ajudar a reviver ao longo da vida, sensações que poderão recuperar a qualquer momento das suas vidas. A prática do desporto de alto rendimento, deve por isso, ser apresentada e desenvolvida como atrativa, agradável, motivante, inspiradora e transformadora. Se assim não for, entramos numa área de “junk food” do desporto em que os princípios estão invertidos e em que apenas se procura o sucesso a todo o custo, sem o respeito pela formação integral do praticante. E nesse caso, não fujam do desporto, mas sim de práticas desajustadas.