Não são pernas… são emoções!
Perguntam-me frequente o que mais valorizo num atleta quando se pensa num processo de deteção de talentos desportivos. Lembramo-nos sempre dos jovens mais rápidos, mais fortes ou mais coordenados e somos levados a focarmo-nos nas capacidades condicionais inaptas de cada jovem. O tempo vai-me dizendo que existe algo que está acima e porventura mais importante: as emoções!
Quando falamos de emoções falamos do que realmente nos torna únicos e como nos diz António Damásio, as respostas emocionais passam a ser uma complexa combinação de interação do nosso cérebro com o nosso corpo e as percepções que o nosso próprio corpo nos dá. Esta interação é constante e não é possível de separar. Tomar decisões passa assim a ser uma complexa resposta de emoções perante estímulos que vão sendo considerados positivos ou negativos. Por isso mesmo, a memória do que se foi adquirindo como experiências individuais perante diferentes cenários passa a ter um importante papel em decisões futuras. Não será também por acaso que os afectos e os sentimentos constroem a nossa dimensão humana.
O desporto é antes de tudo afectos que se constroem perante pessoas com quem se interage insistentemente, treino após treino, gerando reações emotivas que ocorrem diariamente. No desporto queremos trabalhar emoções positivas e utilizar ferramentas de aperfeiçoamento pessoal para construir um conjunto de boas tomadas de decisão que somadas ao longo do tempo formarão um desportista e uma pessoa mais capaz e mais feliz. Omitir ou recusar a construção de um ambiente emocional positivo é recusar o que de mais importante a prática desportiva no pode dar, tanto na formação de jovens, como no alto rendimento.
A performance desportiva, antes de tempos cronometrados, resultados desportivos ou vitórias, deve ser a construção de um quadro de emoções e de valores que façam de cada praticante um exemplo e um percurso de sucesso. Limitarmos o treino e o rendimento de um atleta à componente física acaba por ser tão redutor que faz do desporto uma actividade fútil e desinteressante. Acredito por isso num modelo desportivo em que a felicidade é um valor insubstituível e fundamental para alicerçar também adaptações físicas positivas, consistentes e duradouras. A melhoria e sustentabilidade da performance física, fica assim dependente de um alargado quadro de valores que deve ser promovido e desenvolvido ao longo dos anos.
Ter rendimento é por isso muito mais do que “ter pernas”. É em primeiro lugar ter boas emoções, construir um quadro de valores positivos, de cooperar e respeitar o trabalho de todos os elementos de uma equipa e fazer com que esses alicerces sejam o verdadeiro motor da sua performance no futuro. Acredito que este é o factor mais relevante para detectar e para desenvolver num atleta. As dificuldades da prática desportiva de rendimento serão muitas e os motivos para o desânimo e para decisões erradas serão constantes. Ter capacidades físicas sem o desenvolvimento de um quadro de valores é desenvolver um praticante com prazo de validade reduzido. Esse prazo deve ser longo e renovado a cada etapa, a cada desafio, e até mesmo, no final da carreira desportiva.
Descobrir um jovem talento para o desporto, é detectar um jovem humilde, com valores de partilha e de capacidade de desenvolver projectos em comum, de respeitar de forma intransigente o trabalho dos outros e de ter no esforço de uma equipa a inspiração das suas decisões individuais. Esse é o jovem que irá receber energias amplificadas, de todos os que o rodeiam. Não propriamente as palavras de circunstância em torno de um resultado bombástico, mas a presença constante de todos e em todos os momentos, em especial nos de maior dificuldade.
O desporto sempre foi uma enorme escola de valores. Bem sabemos que muitos vão cedendo a outros estranhos caminhos na busca de um sucesso imediato, de retornos financeiros ou da procura imediata pela fama. No final, tudo desaparece e somos nós próprios com as ligações que criámos e com as “famílias” que desenvolvemos, ou abandonámos, ao longo desse percurso, que iremos traduzir anos de prática desportiva em comportamentos sociais transformadores de quem nos rodeia. E aí sim, o verdadeiro sentido de rendimento desportivo emerge: o aperfeiçoamento humano nas diferentes dimensões que nos tornou mais capazes, mais solidários e com as emoções e sentimentos capazes de moldar para melhor as relações humanas. O resto são só ferramentas ao serviço destes desígnios, porque sem elas, sem a componente física ou corporal, não seríamos capazes de ir tão longe na construção de património emocional e de tomadas de decisão que dêem um verdadeiro sentido à prática desportiva. Uma forma de estar que deve ser transversal a qualquer nível de performance, ou mesmo faixa etária. Porque os bons e maus exemplos podem vir de jovens ou adultos e devemos receber inspiração positiva de qualquer nível de performance e amplificarmos os exemplos que devem ser elogiados e seguidos.