CORRIDAS COLORIDAS
Tal como aconteceu um pouco por todo o mundo, a prática da corrida tem vindo a alargar-se também em Portugal, a um ritmo para muitos considerado imprevisível. Para quem já estava ligado ao fenómeno da corrida este aumento abrupto de praticantes só pode ser visto como algo muito positivo, pois sabemos que passaremos a lidar com uma população mais saudável, mais jovem e globalmente mais feliz.
Com este aumento, proliferaram a organização de eventos de corrida, o surgimento de empresas que se dedicam a esta área de negócio e todo um conjunto de interesses económicos em torno deste fenómeno que vão crescendo de forma significativa. O crescimento é tão grande, que um pouco por todo o país, ocorrem de forma sistemática eventos de corrida, muitos deles alicerçados por empresas que vêem nestes eventos uma enorme oportunidade de crescimento e de rentabilidade financeira.
Para quem está ligado à corrida antes mesmo deste abrupto crescimento, este seria aparentemente o melhor cenário para fazer crescer o aparecimento de atletas e melhorar a qualidade de resultados na vertente mais competitiva da corrida.
Contudo, não é exactamente isto que está a acontecer, o que de alguma forma pode parecer um contrasenso. A verdade é que uma boa parte destas corridas, se baseiam simplesmente em eventos não competitivos, onde a velocidade a que se percorrem os quilómetros destes eventos parece ser de tudo o menos importante. De fato, nem todos se parecem interessar com os aspetos qualitativos da corrida, com a melhoria de parâmetros técnicos ou musculares e muito menos se o tempo final foi melhorado ou não. Se esta perspetiva vingar no futuro (e esperamos que não…), teremos cada vez menos jovens estimulados a correrem rápido, a serem melhores a cada semana ou mês que passa e praticantes de corrida em que será bem mais importante a “foto” final para colocar nas redes sociais do que a melhoria que tenham conseguido alcançar com o treino, para um determinado evento de corrida.
Algum tempo atrás, numa conversa com um representante de uma importante marca desportiva, era-me referido que na sua opinião, em breve, as corridas cronometradas teriam tendência a deixarem de existir em detrimento de corridas “divertidas”, todas elas diferentes, explorando todos os tipos de alternativas (correr à noite, com cor, com luz, com saltos altos, com roupa interior, ou qualquer outro assunto…diferente!). Se estes eventos vingassem ao ponto de substituírem os ditos “tradicionais”, teríamos então uma perda enorme para o rendimento da corrida, teríamos menor formação de praticantes, menos jovens talentosos detetados, menos evolução desportiva na corrida. De fato, o que aconteceria seria termos corridas de cinco ou mais quilómetros, baseadas numa mentalidade não competitiva que produziria corredores cada vez mais lentos, cada vez menos competitivos.
É por isso que cada vez mais continuo a dar valor à existência de corridas organizadas por pequenas colectividades que continuam a garantir a existência de eventos competitivos de corrida para todos os escalões. É também por isso que vejo com enorme agrado que existe cultura desportiva para que muitos organizadores entendam a importância de manterem nas suas corridas, prémios aliciantes que complementem os seus eventos e permitam aos corredores que se dedicam ao treino de alto nível na corrida, disporem de oportunidades competitivas de excelência. Eventos como a Meia Maratona e Maratona de Lisboa e Porto, mas mais recentemente eventos como a Night Run que preservam a preocupação em manter uma participação competitiva nos seus eventos. Com este esforço, estes organizadores mostram que mais do que o lucro, o seu contributo para a melhoria da prática competitiva na corrida é também algo que os motiva e que o esforço de praticantes que diariamente treinam ao mais alto nível é devidamente compensado.
Por outro lado, continuo a acreditar que o praticante recreativo de corrida, se revê nas suas referências desportivas e que está disponível para contribuir com a sua participação, em eventos cronometrados nos quais o atleta de élite é premiado pelo seu esforço. O praticante recreativo tem ainda a oportunidade de avaliar os efeitos positivos do seu treino e de se motivar com uma evolução confirmada nestes eventos. Para além do mais, sabemos ainda, que uma maior velocidade de corrida nestes eventos, está normalmente associada a mais e melhor treino, ou seja, a efeitos mais benéficos na saúde destes praticantes.
Vejo por isso com bons olhos que estes milhares de praticantes de corrida, se revejam nas provas em que os atletas de élite são acarinhados e apoiados por estes organizadores sobre a forma de prémios. Sendo cada vez mais frequente o apoio dos organizadores de eventos a diversas instituições (em boa hora…), não seria igualmente relevante que cada participante decidisse prioritariamente envolver-se com os eventos em que o organizador canalizasse verbas para premiar os atletas de élite? Percebendo que deste modo está a contribuir para a sustentabilidade de uma élite de corredores, que o país deve querer e que certamente cada corredor, mesmo recreativo, terá orgulho em ter no seu país.
Veria por isso com bons olhos, que cada evento de corrida, pudesse dispor de um selo de qualidade nos seus eventos que comprovasse que estes organizadores respeitam um conjunto de regras promotoras de um desenvolvimento de corredores de élite em Portugal. Um selo de garantia que não funcionasse como uma moeda de troca para financiamento de um sistema desportivo, federação ou associação, mas sim para que contribua para a preservação de apoios diretos a corredores que cada vez mais necessitam deste tipo de apoios para se envolverem com uma prática desportiva cada vez mais profissional. À imagem de um passado recente em que muitas das nossas grandes referências desportivas tiveram determinados apoios para a Alta Competição (no tempo em que existiam…). Ficaria depois nas mãos de cada praticante recreativo a formação desportiva necessária para aderir às provas que tendo esse selo de garantia, lhe permitem dar um contributo individual precioso para um desenvolvimento desportivo que todos nos queixamos de ter perdido…
Já agora, para que não fiquem dúvidas… sempre fui dos que defendi a necessidade da cor, da musica e da alegria na prática da corrida! Mas sempre quis mais do que isso e sempre desejei que uma mudança deste tipo pudesse ter consequências positivas na melhoria da corrida em Portugal em todos os seus domínios. A pergunta que se coloca a cada um será: Escolheria o evento com esse selo de qualidade?