MEIO-FUNDO. QUE FUTURO?
É recorrente todos falarmos no que terá acontecido com o meio-fundo e fundo português e na perda de protagonismo dos nossos corredores a nível internacional. Os grandes feitos de atletas como Carlos Lopes, Fernando Mamede, António Leitão, António Pinto, Rui Silva, Ezequiel Canário, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro entre tantos outros, estão na memória de todos os que de alguma forma sempre estiveram ligados ao mundo da corrida. Pode falar-se de muitos fatores, mas a verdade é que os contextos sociais são radicalmente opostos e os resultados de outros tempos nunca mais serão conseguidos com os mesmos pressupostos do passado. Durante anos formaram-se corredores de elite mundial baseados em modelos de treino que, tal como a vida de qualquer jovem, eram baseados em sacrifício, muita dedicação e luta por um lugar de relevo social e desportivo, numa modalidade que lhes poderia permitir algum retorno e a visibilidade social que dificilmente obteriam noutra atividade desportiva (à excepção do Futebol…) ou profissional.
Os tempos são outros e tudo isto pertence ao passado. Dificilmente podemos convencer jovens a se dedicarem à corrida na base dos mesmos pressupostos. Felizmente e apesar de todas as dificuldades que o nosso país atravessa, a verdade é que os jovens vivem atualmente num modelo social bem diferente e com acesso a um estilo de vida muito atrativo, que os afasta do rigor que o treino exige. Contudo, continuamos a ver jovens com talento na corrida que anualmente aparecem em competições para jovens e estranhamente vamo-nos habituando a vê-los perderem-se por um caminho repleto de exigências e de contradições às quais quase todos os jovens acabam por ceder.
O presente obriga-nos a sermos inovadores. Um jovem só se sentirá atraído por um sistema de qualidade. É preciso que sejamos capazes de mostrar a esses jovens, que podemos reunir em torno dele, um conjunto de mecanismos de preparação e apoio que o permitirão chegar mais longe, com menos esforço e com mais organização. Esse jovem tem de ter uma vida equilibrada, em que não se afaste em demasia do modelo ou estilo de vida dos seus colegas. Para isso, temos de lhe mostrar que a competência técnica e organização do seu tempo, lhe pode proporcionar um sistema de treino evoluído e progressivo que o leve ao sucesso sem comprometer outras variáveis da sua vida pessoal que ele também terá o direito de as ter. Não me agrada particularmente a mensagem que por vezes fazemos passar, referindo que os jovens do presente não se envolvem com o rigor e a disciplina necessária. A verdade é que não fomos ainda capazes de alterar, ajustar e desenvolver um sistema de treino inovador, atrativo e que permita a qualquer jovem receber outro tipo de mensagens. Mensagens de inovação, de formação, de desenvolvimento pessoal e desportivo. Mensagens que o façam entender que entra num percurso muito atrativo, porque terá acesso a oportunidades tecnológicas, de crescimento pessoal e que o rigor do treino será “apenas” uma variável necessária e que deve ser introduzida nos momentos certos. Aliás, um rigor e uma exigência que deverá ser cirurgicamente colocada no processo de treino, apenas quando as variáveis psicológicas e motivacionais do jovem permitem que esse rigor seja implementado com sucesso. Longe vai vai o tempo em que se podia exigir de muitos jovens trabalho intenso e exigente, procurando descobrir quais aqueles que eram capazes de suportar tais exigências no seu treino. Hoje, teremos certamente muitos menos jovens corredores e a lógica da “selecção natural” nestes processos terá de ser totalmente redefinida.
Dizer que a corrida é para poucos e apenas para os que se sabem sacrificar, é mostrar que o único caminho para o sucesso é desagradável e penoso. Devíamos ser capazes de fazer muito melhor e mostrar aos jovens que sabemos construir um modelo atrativo, diversificado e de qualidade que transforme o seu percurso no desporto, num percurso muito aliciante. Temos de ter conhecimento para o fazer e dispor de meios para o desenvolver. Mostrar a um jovem que temos meios para o aperfeiçoar desportivamente e pessoalmente através do treino, será sempre um passo decisivo de motivação para qualquer jovem, que verá no seu trabalho uma enorme variedade de ferramentas que o devem aliciar. Ferramentas constituídas por equipas técnicas com conhecimento significativo, por meios tecnológicos de interesse válido e aplicável ao treino, por competências adicionais noutras variáveis do processo de treino, por um processo adicional de formação pessoal e humana. Ou seja, por transformar o jovem num centro de trabalho muito evoluído no treino, que o motive a ser cada vez melhor e a entender que o seu percurso desportivo o irá levar mais longe que outras oportunidades. E aqui não poderemos ter o discurso destrutivo de que os jovens do passado não tinham nenhum destes meios e tiveram enormes resultados! É obrigatório entendermos todas as mudanças que ocorreram nos últimos anos e adaptarmo-nos a uma nova realidade, do que viveremos o saudosismo do passado que não nos levará a mais resultados nenhuns…
A corrida tem de ser capaz de competir com outras atividades que fazem parte do quotidiano de qualquer jovem. No Quénia, é ainda possível que se consiga resultados apenas com o processo de treino estruturado na dificuldade e na competitividade com outros jovens que aspiram “ser alguém” através da corrida. Em Portugal, tal como noutros países da Europa, a motivação do jovem tem de ser construída na base de um sistema repleto de conhecimento e de formação, para que o jovem sinta que existem outras variáveis para além do sacrifício que o ajudarão a crescer. E que não precisa de se sujeitar a um modelo de treino e de vida frequentemente desinteressante, demasiado rigoroso e muito pouco atrativo.
Não estamos neste momento capazes de oferecer aos jovens esse sistema e por isso mesmo, não será previsível que algo mude de forma significativa na melhoria das performances futuras do meio-fundo português, mesmo considerando as excelentes excepções de alguns grandes exemplos da atualidade como Sara Moreira, Jessica Augusto ou Dulce Felix.
O projeto run4excellence nasceu de um sonho baseado na descoberta dos melhores modelos de treino e das melhores opções técnicas, desenvolvendo meios que sejam atrativos para jovens corredores. Rui Pinto, será um dos exemplos mais recentes desse projeto, mas a falta de apoios mais sérios acaba por comprometer o que é ainda necessário para que mais rapidamente se consiga construir um modelo de maior qualidade e para que se possa mostrar na prática, o impacto que novas variáveis possam ter no progresso de jovens corredores até ao alto nível.