Nem tudo é possível

Nem tudo é possível

Um dos princípios que sempre nos orientou na prescrição do treino, passa por desenvolvermos mecanismos que nos dêem maior probabilidade de estarmos certos nas nossas decisões. Para isso, torna-se vital o acumular de experiências anteriores de modo a que, mesmo para diferentes atletas, possamos ter maior probabilidade de um determinado estímulo de treino poder promover a adaptação pretendida com essa carga. Isto permite-nos que perante um determinado problema (por exemplo lesão, dor ou perda de rendimento) tenhamos maior capacidade de atuar positivamente sobre esse problema. Esta é uma preocupação que deve orientar a atuação de qualquer treinador e que só se torna possível, desenvolvendo sistemas de registo e controlo do processo de treino cada vez mais exaustivos e organizados. E o controlo do treino tem início no registo quantitativos de dados considerados críticos no rendimento dos atletas.

Deste modo, dispormos de dados que num determinado contexto nos alerte para o fato de estarmos errados, assume uma enorme importância, pois perante um determinado exercício, ou dimensão de uma carga de treino, passamos a saber que a probabilidade de termos uma sessão de treino com efeitos negativos é significativamente elevada. Conhecer o erro antes dele ocorrer é a melhor informação que um treinador pode ter na orientação técnica dos seus atletas.

Por vezes, perguntam-nos porque não utilizamos o exercício a, b, ou c. Exercícios muitas vezes utilizados com frequência por treinadores e atletas. Por norma, a nossa decisão é suportada na probabilidade que um determinado exercício possa ter de ser ineficaz ou até prejudicial. Se esta for significativa e se tivermos outras opções que ao longo dos anos nos proporcionaram outra taxa de sucesso, é normal que nem sempre possamos seguir o que convencionalmente seria feito num determinado contexto. Não que algumas opções estejam erradas, mas apenas porque se tivermos outras opções que nos dão outra maior garantia de sucesso e menor risco de efeitos colaterais, optaremos sempre pelas últimas.

A individualidade é outro aspeto muito importante a ter em consideração, pelo que para diferentes atletas as estratégias adotadas poderão ser mais ou menos bem sucedidas. Isto deve levar-nos, a organizar de forma responsável um sistema de classificação de informação crítica com um caráter muito mais individual.

Por outro lado, sabemos que certas escolhas terão sempre um potencial lado negativo. Por exemplo, optar pela realização de um meio agachamento, com séries de 10 repetições máximas, pode ajudar a melhorar os níveis de força dos quadriceps, mas também poderão deixar algum desconforto ou dor nas inserções tendinosas desses músculos. A cada decisão que tenhamos de tomar é muito importante contextualizar o exercício de acordo com a maior ou menor probabilidade de atuar mais nos riscos ou nos benefícios e por isso se torna tão relevante manter um registo quantitativo de informações, retirados do processo de treino e que nos forneçam dados reais e objetivos para reduzir riscos nas nossas tomadas de decisão.

Medir as vantagens e desvantagens de cada decisão, fará de nós melhores treinadores e dos atletas mais capazes de falharem menos e de serem mais consistentes na sua prestação ao longo dos anos.

Um dos problemas do treino, ao contrário de outras áreas, é que a recolha de dados que nos torna mais capazes de decidir melhor, demora anos a ser feita e a produzir efeitos. Tanto numa perspetiva de dados obtidos ao longo dos anos com vários atletas, como na criação de uma base de dados individual que caracterize respostas previsíveis para um determinado atleta ao longo dos anos. Entra-se numa outra dimensão, quando uma decisão tomada no imediato tem, na sua base, um conjunto significativo de dados de treinos, que nos tornam enquanto treinadores mais assertivos, mesmo em situações de improviso. Existem imensas situações em contexto de treino, em que o treinador terá de tomar decisões num determinado instante e serão as múltiplas experiências apoiadas numa reflexão persistente de dados acumulados que irão ditar a qualidade dessas decisões.

De outro modo, estas preocupações permitem que se trabalhe em cima de probabilidades e não de possibilidades. A possibilidade de se fazer um determinado resultado desportivo existe sempre, o que é bem diferente de existir uma determinada probabilidade desse resultado acontecer. Pretende-se que a probabilidade desse resultado, a ocorrer, seja tão elevada quanto a possibilidade desejada, mas só um sistema de trabalho em cima de dados credíveis e mensuráveis o poderá permitir. Num contexto social em que o marketing trabalha com a possibilidade (tudo parece ser possível), que espaço nos resta para trabalhar no âmbito da probabilidade de melhoria de performance? Este é um problema complexo dos tempos atuais.

Numa época em que temos acesso a dados que facilmente quantificam volumes ou intensidades de treino, parece haver menos detalhe na qualidade de informação recolhida e em especial, na sua organização e utilização. O foco parece estar cada vez mais dirigido para acentuar a ideia de que “tudo é possível” e não para o estudo mais detalhado da “probabilidade” de um resultado acontecer. A diferença pode parecer pequena, mas precisamos de um pensamento no treino mais dirigido para a análise, para estimar efeitos de cargas aplicadas, para compilar, tratar e usar informação acumulada durante anos, valorizando largos milhares de dados relevantes (trabalhando as probabilidades) e não suposições de que um dia algo acontecerá (focado na possibilidade).

Não, nem tudo é possível! Mas podemos trabalhar com informação criteriosa que seja capaz de tirar o máximo proveito do potencial genético de cada atleta e aumentar a sua probabilidade de sucesso. Um desafio para os treinadores e um desígnio para o que os atletas devem querer para o seu percurso desportivo: sistemas que valorizem também a impossibilidade de resultados acontecerem, sem que, determinados efeitos de treino sejam realmente promovidos e alcançados. E trabalharem em cima das probabilidades que têm. Todos focados no percurso que leva ao sucesso e não no sucesso imaginário, quase de ficção, que alimenta muitas vezes os percursos de muitos atletas que visam o desporto de rendimento.

(foto de André Brito).

NOTA: O desenvolvimento de um sistema de informação deve ser uma tarefa individual e não existem modelos melhores do que outros, desde que, o selecionado seja capaz de dar uma imagem global e realista do que vai acontecendo a cada microciclo de treino. As imagens que partilhamos, são meramente ilustrativas e dizem respeito a alguns dos sistemas que fomos organizando ao longo dos anos, com corredores, e que têm servido de base a reflexões e cruzamento de informações com os sistemas de avaliação e controlo do treino que vamos realizando. Com o intuito de diminuir erros e de potenciaríamos a performance de cada atleta.

Contributos para a construção de um atleta de elite

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Não são pernas… são emoções!

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