(DES)INVESTIMENTOS

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Recentemente, todos assistimos a mais um conjunto de grandes resultados numa Maratona internacional, neste caso na Maratona de Tokyo, com o vencedor (Dickson Chumba) a conseguir o resultado final de 2:05.30. Mas o que fica para a história é o resultado de Luta Shitara, o Japonês de 26 anos que ao obter o novo recorde nacional do Japão (2:06.11) arrecadou quase 1 milhão de euros em prémios! Mesmo não sendo o vencedor, foi o que arrecadou o prémio mais elevado… É igualmente impressionante como aparecem 6 Japoneses nos 10 primeiros com marcas inferiores a 2:09.00. Nesta prova 13 Japoneses correram com marcas iguais ou inferiores a 2h e 10min! Impressionante!

Claro que o pensamento nos pode atraiçoar e levar-nos a pensar que não temos resultados deste nível em Portugal, porque simplesmente os corredores portugueses não trabalham e não se dão ao sacrifício… Afinal, os Japoneses também não são africanos e pensando na tradição que temos na corrida em Portugal, tudo indicaria que poderíamos estar a fazer o mesmo que fizeram estes corredores Japoneses.

Mas as realidades são bem distintas… Sim, é verdade que a cultura Japonesa é diferente da nossa, que os jovens são educados de forma distinta e que não podemos comparar alguns hábitos que estas crianças e jovens têm quando comparados com a educação dos adolescentes portugueses. Não pretendemos com isto dizer, que a “culpa” da falta de resultados seja do sistema educativo português ou dos pais desses jovens, mas assumir simplesmente que falamos de jovens que têm percursos distintos e que não será legítimo pedir-lhes que encarem o processo de treino e competição da mesma forma que o faz um Japonês.

Contudo, existem aspetos que merecem alguma reflexão. Em primeiro lugar assistimos a uma paixão impressionante do povo Japonês pela corrida e em particular pelas Maratonas, totalmente correspondida pelos organizadores de provas no Japão que motivam os atletas com prémios muito interessantes. Em Portugal, temos um exemplo contrário, com meias maratonas e maratonas que apesar de apresentarem uma moldura enorme de praticantes e o envolvimento de um grande leque de patrocinadores, se limitam a prémios simbólicos para os melhores corredores portugueses. Apesar de não se poderem comparar os níveis competitivos das provas portuguesas com uma Maratona como a de Tóquio os prémios das provas em Portugal são reveladores de uma incapacidade generalizada de motivar os atletas portugueses, ao contrário do que já aconteceu no passado.

Se recuarmos no tempo, os feitos dos grandes atletas portugueses foram conseguidos num ambiente de enorme motivação. Tratou-se de uma época em que os prémios financeiros obtidos nas provas eram muito motivadores e em que se conseguiu que, com apoios governamentais, surgissem opções claras para se darem condições a jovens corredores talentosos para ao longo de anos desenvolverem a sua capacidade de rendimento. Falámos sobre este assunto na revista INSIDE número 3 e mais recentemente na edição 8 (brevemente), onde teremos uma fantástica entrevista com Domingos Castro que espelha bem como estas oportunidades eram francamente motivadoras em termos financeiros para os atletas. Não podemos confundir a legítima melhoria de condições de vida através do seu esforço com um hipotético “mercantilismo” dos atletas. A verdade é que nenhum atleta estará capaz de se dedicar a 100% se não tiver a estabilidade financeira que lhe permita não ter determinadas preocupações. Esta foi a realidade em Portugal na década de 80 e 90, com clubes, organizadores de provas e um sistema desportivo português a contribuírem, cada um na sua área de intervenção, para um ambiente altamente motivador para os atletas. De uma forma um pouco distinta esta é a realidade em África, onde para além de todas as questões genéticas ou ambientais, existe um fortíssimo efeito na melhoria de condições de vida, altamente precárias, que podem mudar com resultados de expressão mundial.

Por outro lado, conhecemos casos de atletas que passaram a viver em África por longos períodos de tempo, para conseguirem obter um crescimento desportivo elevado. Contudo só se falam nos casos de sucesso e não se contabilizam os muitos que vão e voltam sem que a experiência tenha sido bem sucedida. Entre alguns casos de sucesso, podemos falar de atletas como os irmãos Robertson (Zane e Jake), mas a verdade é que não se contam muitos casos bem sucedidos e não se torna fácil contabilizar os muitos casos de insucesso, nesta abordagem para a melhoria de rendimento.

Os fatores biológicos e nomeadamente genéticos assumem um papel decisivo aos quais temos de somar a importância extremado fator treino, nomeadamente a qualidade do treino prescrito ao longo dos anos. Contudo, depois de garantidas estas variáveis, a motivação que possa vir da melhoria das condições de vida através do trabalho de cada corredor, será na nossa opinião um fator determinante de sucesso. Num artigo muito recente, publicado no Journal of Sport and Exercise Psychology* este assunto é estudando em 82 indivíduos mostrando que os efeitos negativos da fadiga são atenuados quando existem incentivos financeiros. De fato os corredores não serão diferentes de qualquer pessoa que certamente não se sentirá tão motivada numa situação profissional altamente exigente e não compensatória. Falamos de levar o corpo e a mente ao limite de forma progressiva, muitas vezes, por mais de 20 anos e dia após dia, pelo que não é viável a exigência de resultados sem que esses atletas sintam uma melhoria progressiva das suas condições de vida, que frequentemente têm um ponto de partida particularmente baixo.

Não somos, por isso mesmo, apologistas de uma abordagem emigratória de corredores para treinarem em ambientes mais hostis na esperança que se molde um carácter de rendimento mais elevado, a exemplo do que temos em África. Ao contrário do que os irmãos Robertson que rumaram da Nova Zelândia à procura de adoptarem um estilo de vida que lhes permitisse obter rendimento elevado, defendemos antes o que foi, há não muitos anos, desenvolvido por Moniz Pereira, ou seja, proporcionar condições de excelência que representem a vários níveis a melhoria da condição de vida dos atletas. A verdade é que o que temos hoje, é muito pior do que tivemos na década de 80 ou 90. Os incentivos são incrivelmente mais baixos e se não fosse o meritório investimento dos clubes e mesmo o nível que temos atualmente, poderia não ser uma realidade.

Identificar atletas com talento e investir nesses atletas é algo que não existe em Portugal. Quanto muito, o que se faz é premiar com bolsas os que já obtiveram acesso a um grupo muito restrito de resultados desportivos. O percurso fica entregue durante anos a fio, ao esforço de treinadores, atletas e clubes que frequentemente se vêem sem meios para dar resposta a dificuldades vitais. E mesmo quando ao fim de muitos anos essas bolsas surgem, falamos de valores que não fazem a diferença, faltando um verdadeiro sistema que permita que atletas talentosos se possam projetar internacionalmente.

A realidade atual não é favorável à obtenção de melhores resultados desportivos e não acreditamos que seja aumentando as dificuldades de treino ou de vida que melhores resultados virão. Não podemos dizer que nas décadas de 80 e 90 é que era, quando na verdade os atletas dessa época, viam na corrida uma forma de melhoria de condições de vida, ao contrário do que conseguimos atualmente oferecer ao jovens. Será precisamente fazendo o contrário, procurando garantir os incentivos financeiros e humanos que enquadrem os atletas em projetos de elevado valor desportivo, que lhes permitam identificar um rumo de vida que verdadeiramente possa valer a pena. Não podemos mostrar a um jovem com talento na corrida um rumo de incertezas e de falta incentivos, na esperança que essas dificuldades o possam fazer crescer. Já chegam as dificuldades naturais da exigência do treino e para as combater, torna-se necessário mostrar-lhes que poderá valer a pena a todos os níveis.

Independentemente de todas as diferenças, sociais, genéticas, culturais e ambientais, a luta por resultados que também traduzam uma melhoria das condições de vida dos atletas é provavelmente dos raros pontos comuns entre todos os corredores élite em todo o mundo.

 

  • BROWN, DMY & BRAY SR (2017). EFFECTS OF MENTAL FATIGUE ON PHYSICAL ENDURANCE PERFORMANCE AND MUSCLE ACTIVATION ARE ATTENUATED BY MONETARY INCENTIVES. J SPORT EXERC PSYCHOL, 1; 39(6):385-396.

(DES)CONSTRUIR O FUTURO

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RENEGAR O TREINO

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